quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Passei algum tempo chorando em silêncio, olhando pela janela, sem conseguir achar as palavras certas para contar à minha mãe as últimas novidades da minha vida amorosa.
Era para ser um daqueles momentos gostosinhos da vida. Estava tocando o CD do John Mayer no carro, em vez da Voz do Brasil, e o sol estava se pondo. Eu tinha passado a tarde inteira dormindo, conversando com meu avô e fazendo yôga, e tinha finalmente conseguido marcar o médico para minha coluna. Era, sim, para ser um daqueles momentos gostosinhos da vida. Mas não era.
Minha mãe, que já conhece muito bem esse eventual esquema de entra-no-carro-chorando-e-não-fala-nada, tinha respeitado meu silêncio, e continuou me respeitando, quando eu cansei de procurar as palavras certas e comecei a lhe contar o que tinha acontecido, aos prantos.
Ela me ouviu pacientemente, e, quando percebeu que meu discurso de love is a losing game tinha realmente acabado, me olhou com compaixão, daquele jeitinho meigo e levemente irritante que só ela consegue. Felizmente, hoje, seu olhar foi muito mais meigo e muito mais cheio de compaixão que irritante, fazendo com que um leve sorriso se abrisse em meu rosto. Foi então que, para quebrar o que era quase um momento gostosinho da vida, vieram aquelas frases clássicas das quais ela aparentemente não consegue abrir mão...
"Filha, é melhor que isso tenha acontecido. Agora você sabe como ele realmente se sente, não vai ficar se iludindo"
"Todo mundo passa por isso..."
"Você ainda vai achar o cara certo..."

Realmente. Em nenhum momento, the thought of me as a lonely 87 year old lady who lives with her cats crossed my mind. And, by the way, I really do believe I'll find the right guy eventually. I just thought I'd meet some right-guyzinhos no meio do caminho, com quem eu me divertiria, sabe... Mas bom.
À medida que minha mãe falava, sua calma e compaixão se tornavam cada vez mais irritantes. Eu não conseguia ver sentido naquelas frases manjadas, por mais verdadeiras que ela as pudesse considerar. Voltei a chorar e passei mais um tempinho em silêncio, olhando pela janela e ouvindo City Love, que foi uma agradável e suficientemente dramática trilha sonora para o momento.
Foi então que meu novo discurso começou. Abandonando qualquer referência a Amy Winehouse, desta vez falei sobre meu comportamento e sobre o fato de eu provavelmente estar repetindo o erro que cometi em todos os pseudo-relacionamentos-amorosos que tive nos últimos anos.
Mesmo eu, às vezes, falando mal de mim mesma nesse tipo de situação para que minha mãe tenha pena de mim, me dê um abraço comprido e apertado ou compre croissants e queijo brie na Délices de France antes de irmos para casa (que confissão, estou até encabulada), eu não poderia ter sido mais sincera com todo esse discurso.
Apesar de ainda estar chorando, eu já tinha me acalmado um pouquinho, deixado minha indignação com as frases manjadas de lado e começado a pensar mais racionalmente. Já estava planejando a conversa que teria com minha analista no dia seguinte, e tentando descobrir, de verdade, o que eu devo ter feito de errado para que todos aqueles pseudo-relacionamentos-amorosos não tenham sido nada além de pseudo-relacionamentos-amorosos.
Depois de ouvir todo esse meu novo discurso, minha mãe olhou para mim, quieta. Sua expressão não era a mesma de antes, e as sobrancelhas franzidas mostravam que o fato de ela não saber mais o que me dizer frustrava, além de mim, ela também.
O que eu senti então só pode ser comparado à vez em que minha mãe, que tinha recém aderido ao espiritismo, não conseguiu me consolar, quando eu estava com medo de um filme de terror. Me lembro ainda hoje de como fiquei chocada quando ela olhou para mim e, pela primeira vez na vida, disse que espíritos existem.
Não sei se uma frasezinha manjada teria sido melhor do que aquele silêncio ou do que aquelas ruguinhas de preocupação em sua testa.
Sei que olhar para minha mãe naquele momento, depois de perceber que ela nem sempre tem os melhores conselhos amorosos e finalmente tem a liberdade de admitir não saber tudo para sua filha, me fez ver ela como o ser humano maravilhoso e cheio de compaixão irritante que ela é. E esse, apesar dos apesares, foi um momento muito gostosinho na minha vida.

Um comentário:

  1. dá p. sentir o momento enquanto lia o que você escreveu. O mais lindo foi a percepção que você teve da sua mãe. Elas sempres querem mostrar o quanto são fortes e sabem tudo para a gente, mas nesses momentos, acho que pior do que pra gente que fica sem resposta, é p. elas que não sabem o que dizer à própria filha.

    ResponderExcluir