sexta-feira, 3 de junho de 2011

sobre enganos e cebolas em conserva

Há vezes em que, por mais que pareça que estou presente na sala de aula e dando à matéria a devida atenção; algo de estranho é extremamente perceptível. Meus olhos, fixos demais no quadro-negro, denunciam que minha mente não está realmente ali, mas sim em qualquer outro lugar. Os mais frequentes aos quais minha mente gosta de fugir durante manhãs escolares são, com a aceitável e cronologicamente possível frequência, descritos por aqui.
O que vou descrever agora se passou hoje durante a manhã, e acontece bastante, para falar bem a verdade. Uma duziazinha de horas atrás estava eu na sala de aula, prestando, sim, atenção no professor de português, que falava sobre Brás Cubas e suas memórias póstumas. Mais tarde, porém - e foi inevitável -, minha mente fugiu para um daqueles lugares-mais-comuns-de-fuga, quando um cheirinho de cebola apareceu do nada e foi, aos leves, preenchendo minha narinas.
Sou magra de ruim, e já me falaram que, quando apenas ouvindo o que digo, é possível crer-se ao lado daquelas gordinhas insaciáveis que vivem para comer. Isso quem sabe justifica.
Depois de algum tempo contemplando o fato de eu estar com fome, hoje de manhã, percebi que aquele cheiro não era exatamente normal. Não era, aliás, possível; eram só nove horas da manhã, e não seria plausível, além daqueles comedores de salgados recheados de frango e dos bebedores de Coca-Cola matutinos, comedores de cebola mais de duas horas antes do almoço aparecerem, assim de repente, na minha vida. Perguntando a uma amiga sobre o tal cheiro e recebendo um "Como assim cheiro de cebola?" como resposta, percebi como tudo viera de minha própria cabecinha, aparentemente insaturada apesar do bombardeamento de informações que sofro sem parar todas as manhãs.
Associando o fator fome com o cheiro-de-cebola-psicológico - e, nessa altura do campeonato, Brás Cubas já tinha ido parar do outro lado do mundo - percebi o quanto eu estava com vontade era de comer salada de batata, e o quanto aquele cheiro de cebola em conserva, que eu estava sentindo mas que não existia de fato, me lembrava dos churrascos da família Feix e de pão com maionese - maionese também conhecida como salada de batata, aquela que, hoje de manhã, conseguiu, nem que por alguns instantes, efetivamente saturar meus pensamentos.
Desistindo de Machado de Assis e de seu defunto, comecei a pensar sobre o quanto é fácil se enganar. Não sobre como os outros, mas sobre como nós, nós mesmos, nos enganamos, o tempo inteiro. Por meio dos nossos sentidos, por meio das nossas aparentes vontades; por meio do nosso cérebro, que não é tão simples quanto se pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa e que chega, por vezes, até a confundir cebola em conserva com salada de batata.
Eu sei que o trecho de Oração foi quem sabe desnecessário e que esse exemplo dos cheiros foi provavelmente o pior já utilizado na história deste blog; mas, naquele momento, naquelas nove horas da manhã cheirando a cebola em conserva, eu realmente tive uma pseudo-epifania sobre a frequência com a qual enganamos a nós mesmos. Lembrei-me da aula sobre alimentação que tinha tido no Método DeRose no dia anterior; e de como meu instrutor falara não só dos nossos vários tipos de alimentação (física, emocional, mental e intuicional), mas também da facilidade que temos para confundi-las; erroneamente pensando que suprimos uma carência na alimentação emocional com um alimento físico, por exemplo. Lembrei-me, também, das vezes que chego na minha psicóloga reclamando do meu pai e ela me ajuda a perceber que o problema tinha raízes muito além da minha relação com ele.
Olhei à minha volta e percebi o quanto estive enganada a semana inteira, ao sentir-me sensibilizada e mal-amada diante da forma como meus amigos andavam me tratando. Percebi o quanto todos nós, ali naquela sala de aula, sendo juntamente bombardeados de informação todos os dias, estávamos exaustos, mas estávamos ali. Percebi o quanto todo mundo estava de saco cheio, inclusive eu, e que o fato de eu me sentir sensível e mal-amada tem milhões de vezes mais a ver com isso e comigo mesma do que com qualquer outra coisa e pessoa.
Percebi o quanto, apesar de estudarmos mais de 4 horas por dia e de sabermos, dentre outros milhões de fatos inúteis para a maioria de nossos futuros como profissionais, que a bactéria que ajuda as plantas a absorver nitrogênio se chama Rhizobium; nós estamos 95% do tempo completamente enganados. Percebi, aliás, o quanto não só nós, estudantes judiados com bundas cada dia mais achatadas, como também todo mundo, inclusive nossos idolatrados professores, nos enganamos com espantosa frequência.
É por isso que vim aqui, perder mais de uma hora do meu dia lendo, relendo, apagando e me perguntando se publicar um texto desse tamanho falando sobre cebolas é aceitável. Além de estar com saudades da escrita e de necessitar querer dar um tempo no meu relacionamento com minha apostila, eu tive, sim, de escrever tudo isso, para depois finalizar com uma só frase.






viva a humildade









(Sim. Tudo isso começou com cebolas.)

8 comentários:

  1. caraca veuvaaaa, cada dia que passa fico mais orgulhosa de voce!! nao se sinta mal amada, te amo muito e estou aqui pra qualquer coisa!!! SOMOS UM COOKIE DO SUBWAY!!! (tema para o proximo texto)
    bjus no pé, da amiga e da familia Frenkel
    obs: quero pao com maionese da familia feix!

    ResponderExcluir
  2. gosto tanto, tanto do seu jeito de pensar, vevinha.
    e curti muito o trecho de 'oração' HAHAHA meu amor por você cabe até no frigo-bar!

    ResponderExcluir
  3. mas sobre como nós, nós mesmos, nos enganamos, o tempo todo, gostei!!!!! assim justificamos o injustificável.porem para ficar com nossa mente tranqüila.martinha.

    ResponderExcluir
  4. leva muito tempo para conseguirmos não alimentar nosso emocional com batatas...

    ju

    ResponderExcluir
  5. Não sei direito como postar aqui... então vai como anônimo!!! Fiquei pensando no quanto o ics é fantástico!! O quanto o nosso universo é o das palavras... Vc pensou em cebola, e olha tudo que vc pode produzir a partir da cebola curtida. Sim, porque não é qualquer cheiro de cebola, é o da curtida!! As vezes não é possível perceber do que realmente a representação se trata... quem sabe a cebola curtida, no meio da aula do pré vestibular, fale do se "curtir" (preparar-se) para aquilo que se chama vida adulta!! Assim como a cebola muda de cor, cheiro, textura e sabor após estar curtida... A adolescência é o tempo de se preparar para mudar também!! Cada um com suas mudanças, mas sem dúvida é um tempo de mudança!
    Essa não será a última oração pra salvar seu coração!!! Talvez seja a primeira!!!!!
    Beijosssss
    Paula

    ResponderExcluir
  6. Eu li :). E gostei, gostei muito. Já pode se sentir feliz e menos mal-amada.

    ResponderExcluir