sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sobre ites, médicos japoneses e percepções de mundo

Nas férias de verão, além da liberdade de escolha do que fazer em todos os longos dias que acordo tendo pela frente e da companhia de pernilongos em meu quarto durante praticamente todas as noites, sempre tenho uma pilha de médicos para visitar. Consultas e mais consultas, check-ups, endoscopias, ecografias, exames de sangue, dentistas, bla-bla-bla.
Eu, meu guarda-chuva e meu cartão da Amil (para dar uma boa resumida em todos os itens contidos na minha bolsa-mala) passeamos bastante pela cidade nesses últimos meses, a pé ou de ônibus, de consultório em consultório (fazendo sempre paradas estratégicas no caminho). Nessa última semana, porém, traí minha pseudo-liberdade de caminhante-da-cidade pelo conforto do carro da minha mãe, que, por ser minha mãe (e só por isso), resolveu ser minha motorista durante uma semana inteirinha dentre as três que teve de férias nesse verão. Além de médicos, foram muitas outras paradas e horas de estacionamento pagas, tudo visando o maior número possível de itens riscados, na minha lista de coisas a fazer antes do fim das férias. (Pausa para agradecimento à mãe: VALEU MÃE).
Em um dia particularmente cinza e frio, cujo único indício de que eram férias de verão foram uma consulta médica e a falta do que fazer durante o resto da tarde, passamos em frente ao hospital Pequeno Príncipe, perto de onde morávamos quando eu era pequena. Me lembro bem de lá, e de minhas frequentes-demais consultas com pediatras, fosse para tratar de alguma "ite" ou para mais um capítulo da novela Por Que a Giovana Faz XIXI NA CAMA COM 7 ANOS DE IDADE?, encenada por muitos anos por minha família preocupada e inconformada com meus colchões diariamente molhados (e eu só fui parar com isso aos onze).
Antes mesmo de completar 10 anos, minhas saídas de casa se limitavam, além das idas à escola, a passear a pé com minha mãe, para ir à padaria, ao shopping, ao hospital. Me lembro especificamente da Sete de Setembro e da Silva Jardim, grandes avenidas, cheias de prédios, carros, ônibus.
E quanta diferença vi essa semana, passando ali pela esquina da Silva Jardim onde fica o Pequeno Príncipe. As paredes pintadas de amarelo e as bolinhas coloridas na entrada faziam do hospital  um local muito mais bonito do que costumava ser, mas o que mais se explicitou naquele contraste todo que me impressionava foi meu olhar sobre aquilo tudo, minha nova realidade, e meu novo ponto de vista sobre aquela não-tão-grande-assim avenida.
Foi ao longo dos anos, enquanto minha percepção de mundo aumentava, que minha lista de "ites" acompanhava o crescimento. Junto com as tantas maiores e mais incríveis avenidas que conheci (ah, os passeios de fim de semana da família na Champs Elysées...), mais e mais conhecimento foi absorvido por minha cabecinha. Até que, de repente...
Coisas erradas, pessoas "erradas", atitudes e notícias erradas chegando aos meus ouvidos - chegara, sim, a tal de "maturidade" (que até hoje não sei bem dizer o que é), mas, junto dela, uma absurda frustração. Sempre querendo que tudo fosse "certo", o que faria eu de tanta coisa errada, bagunçada, fora do lugar?
Sinceramente não sei bem dizer o que faço de tudo isso. Quantas vezes já não ouvi e li que a maioria das minhas "ites" tem como principal causa o stress...
Dentre as atividades que preenchem minha vida fora os médicos e os estudos, estão as que envolvem auto-estudo e aprimoramento pessoal. Sempre procuro melhorar, a mim mesma e a praticamente tudo (que o diga a animação SENSACIONAL no título do meu blog, que eu passei uma boa parcela da minha tarde de hoje fazendo). Mas até que ponto isso é bom? Até que ponto posso melhorar? Qual é a hora de dizer "DEU"?
Não estou exatamente aguardando com ansiedade a próxima "ite" da minha lista. E é, quase que inacreditavelmente, graças a todo o meu auto-estudo e disposição a melhorar (que me parecem às vezes tão contrários ao processo de aceitamento-pessoal ao qual com esforço procuro me submeter) que eu percebo que, no meio de tanta coisa errada, também posso ser um "erro". É bom saber que não há nada de mau nisso. Por mais paradoxal que a penúltima frase possa me ter saído.
Mas é por tudo isso que vou, no quinto dos 10 dias sem laticínios que meu gastro japonês me sugeriu, me rebelar: que se cuidem, os sonhos de valsa lá embaixo. Porque, sabe, cansa, querer ser perfeita hoje eu estou pro crime.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Crises existenciais alheias

É engraçado, apesar de todo o vangloriamento à conversa consigo mesmo que eu acabo sempre produzindo por aqui, o que o compartilhamento de informações faz com a gente. Não só quando nós compartilhamos e temos aquela sensação ótima (por alguma razão que eu desconheço), mas também quando os outros o fazem, fazendo com que nos deparemos com realidades totalmente novas ou com aquela linda conclusão - "então não é só comigo?!".
É gostosa, por mais terrível que dizer isso possa me fazer parecer, a consciência de que os outros também têm problemas.
Agora a pouco, no entanto, enquanto meu irmão dirigia seu carro e abria seu coração para mim e sua namorada, não consegui exatamente demonstrar meu mais alto nível de empatia. Ao mesmo tempo em que o clássico "então não é só comigo?!" preencheu meus pensamentos, por algum tempo neguei conhecer a sensação de vazio que ele estava descrevendo. Quem sabe um pouquinho por não querer expor aquela grande fraqueza aos dois ali presentes. Mas principalmente, eu acredito, por não querer que aquilo se "proliferasse", por passar, por meio daquele compartilhamento, a ser considerado "normal".
Mas o negócio é que é, sim normal. Estar de férias, por mais incrível que pareça nas fotos dos outros, pode ser perigoso, principalmente para quem fica em Curitiba e se depara com todos os seus bares preferidos fechados / vazios.
Acordar com um dia, além de lindo, completamente livre na sua frente significa mais do que "vou passar o dia inteiro na piscina". Explicita o estupefante poder de escolha que temos sobre nossas vidas, sobre o que preenche tanto nossas horas quanto nossos mais profundos pensamentos.
Não é tão fácil quanto pode parecer, essa percepção. Por que, se temos "todo esse poder", escolheríamos coisas, ocupações, pensamentos que nos fazem mal?
Tanto a psicanálise quanto o Yôga me ajudam constantemente a entender essas coisas, e a ter cada vez mais consciência do que escolho para minha vida. Sei que meu irmão (que não é lá muito adepto a "essas coisas"), lidando agora com péssimas escolhas no quesito preenchimento-de-uma-mente-desocupada, precisava de mais conforto e ajuda do que o que consegui lhe oferecer, ali do banco de trás do carro. Espero não ser tão covarde em nossa próxima conversa, e que ele, nesse meio tempo, arranje algo de interessante para ocupar aqueles neurônios.


  Latest tracks by rafeix

Por falar nisso, ouçam os sets de música eletrônica que ele faz. Até eu gosto, e olha que não sou assim tão adepta a "essas coisas".

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

"A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia. Não a comovera tanto a revolução física. Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista, de improviso esclarecida, patenteando-lhe todos os segredos das suas paixões. Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea."

O Cortiço