quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

(Pelo menos um) Momento de sobriedade carnavalesca

Minha cerveja já está quente, não sei se pelo calor absurdo que gruda meu cabelo despenteado à minha nuca ou pela minha lerdeza na hora de beber. Dirijo-me a um canto e deixo a latinha ali.
A fila para fazer xixi está gigante e o chão do banheiro está imundo. Tem mulheres arrumando o cabelo enquanto outras admiram suas próprias bundas na frente do espelho. Por um momento, eu as odeio. Para quê todo esse apelo sexual? Você acha mesmo que essa bunda pulando para fora do vestido é o melhor que você tem a oferecer?
Mas então desencano. É carnaval e estou prestes a esvaziar minha bexiga em um banheiro até-que-limpo: a vida não é tão ruim assim.
Depois do devido esvaziamento bexigal, chega minha vez de me olhar no espelho, e a tristeza: meu apelo sexual é igual a zero e o ar praiano fez de minha franja um belo par de chifres apontando para os lados. Ponho meu cabelo em um coque alto, diminuindo meu apelo sexual para aproximadamente menos cinquenta e dois, e saio à procura do meu irmão. Não estou de salto, então quanto o encontro pulando, fico feliz em poder acompanhá-lo. Steve Angello é o DJ da noite, e, além de ter cabelo comprido e poder fazer um rabinho charmoso, ele está tocando um set da Swedish House Mafia que não deixa nem as mulheres de salto alto paradas.
Ao meu redor, todos estão drogados e bêbados, mas eu, que não bebi nem uma latinha inteira de cerveja, sóbria a ponto de resolver uma equação matemática (só não muito difícil - estou de férias a quase quatro meses), observo ao meu redor com um interesse especial, vindo não sei bem de onde.
Percebo como esse lugar é bonito, e como devem ter pago uma fortuna para construí-lo. Para entrar aqui, aliás, cada um dos presentes também pagou uma pequena fortuna, e o nosso banheiro podia então estar limpo, e não até-que-limpo. Mas muita gente vai acabar a noite com a cabeça no vaso, que já estará sujo de xixi. Não é como se a galera dançando de óculos de sol em plenas 4h30 da manhã fosse se importar com isso.
A música está boa. Sinto a batida, e meu corpo acompanha. Sinto o calor, sinto o suor em minhas coxas quando elas se tocam. Sinto vergonha pelas mulheres com a bunda quase aparecendo, cujas coxas, aparentes e celulitosas, não chegam nem perto de se tocar enquanto elas dançam. Sinto a água gelada entrando no meu corpo. Sinto prazer em estar ali aproveitando as minhas férias, que - é aí que paro de pular - ai meu deus, já estão acabando.
Por um momento, não consigo raciocinar. O que existe na vida além de férias? Há muito tempo esqueci que existem reclamações diferentes de "não tenho nada para fazer".
É, Steve Angello, acabou. Daqui uma semana só, já acabou tudo. E começa então aquela jornada que concordei em participar. Será que, aqui nesse mar de homens com correntinhas prateadas e cabelos imensos com escova progressiva, alguém estuda na USP? Queria sentar e conversar. Estou ansiosa demais pelo futuro para reparar se tem algum gatinho me olhando - até porque já constatei faz tempo que não tem nenhum gatinho aqui. Meu futuro me aguarda. Não sei o que vai acontecer, mas sei que este é o fim do que sinto ser um limbo entre o nada e o tudo.
"Como é bom estar assim, no começo da vida", disse esses dias meu vô, olhando para mim com um sorriso bobo entre suas bochechinhas rosadas.
Como é bom! Eu quero estudar! Quero passar o ano me matando por algo que pode ser maravilhoso, por uma coisa pela qual escolhi lutar.
A batida da música é de repente acompanhada por uma chuva de papel picado, e volto minha atenção ao momento. À minha volta parece só existirem casais se amando (meu irmão e sua namorada sendo um deles), e eu estou é amando minha vida e todas as possibilidades que vejo em minha frente.
Sendo a possibilidade que escolho para mim agora aproveitar pra caramba esses últimos dias de limbo.
Feliz carnaval. Mas, principalmente, feliz ano que agora vai realmente começar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Sobre meu guarda-chuva e um milhão de teorias furadas

Naqueles dias de verão em que o calor é grudento e a sensação de daqui-a-pouco-vai-cair-um-toró é constante, costumo andar por aí com um guarda-chuva gigante, daqueles com um cabinho pontiagudo em cima, na mão. Assim me sinto invencível: além de eu não me molhar, ninguém vai querer me assaltar / estuprar / sequestrar / perseguir / fazer mal enquanto estiver com aquela quase que arma na mão.  Com ele me sinto tão segura que, em um desses dias de verão, cheguei a fazer a burrada de atravessar a rua sem antes olhar para os lados. Felizmente, porém, nada aconteceu.
Foi nesse mesmo dia - em que, aliás, nem choveu - que me deparei com um carinha adorável andando de bicicleta no centro da cidade. Trocamos olhares por uns segundos, o que foi um daqueles momentos gostosinhos da vida, e depois seguimos nossos caminhos, o que foi normal. Eu estava indo até a banca à procura da revista Piauí de fevereiro, e o destino dele era provavelmente para o mesmo lado que o meu, porque a gente acabou se cruzando - e se olhando - de novo. Foi quando entrei na banca que percebi não só que nunca mais o veria, mas principalmente o quanto é fácil se apaixonar por uma coisa que tem poucas chances de dar certo - principalmente quando a coisa que tem poucas chances de dar certo é assim tão adorável.

Por que será?
Isso me faz lembrar do hábito bem comum - principalmente entre nós, mulheres - de querer quem não nos quer.
Por um lado, quem sabe seja simplesmente a vida conspirando contra nós. Vivo vendo meus ônibus passeando por aí, mas, quando estou no ponto, aguardando um deles, o tempo de espera já chegou a mais de 50 minutos. Além de uma gigantesca falha no sistema de transporte desse país, isso fala sobre o quanto as coisas são naturalmente mais complicadas quando as queremos. Porque, assim como quando estou caminhando por aí e encontro o Interbairros sem querer; quando, amorosamente falando, já estamos com alguém, chove coisas com muita chance de dar certo em cima de nós. Já quando estamos sozinhas...
Será que Freud explica? Porque, mesmo a vida e sua conspiração contra nós tendo sua parcela de culpa, nós temos uma maior ainda: quando é que a gente (lê-se: eu) (e essa história já não tem mais tanto a ver com o ciclistinha-adorável) vai parar de querer desafios amorosos? Será que nunca? Será que sem desafio não tem graça? No pain no gain?

Já dei muitas chances, se não para o amor, para aqueles caras (em grande maioria bizarros) que insistem em ligar e querer me ver.

Mas, no final das contas, para quê dar uma chance para toda essa falta de desafio, se eu já me sinto tão segura e protegida por aí em companhia do meu guarda-chuva?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

piegas, piegas

Depois do almoço (durante o qual nunca tomo nada) e depois de uns golinhos de água, era sempre a mesma coisa. O gosto de doce surgia, não sei bem dizer de onde, em minha boca, e minha aflição só era curada quando eu matava aquela vontade - com no mínimo um generosíssimo pedaço de torta.
O tão-aguardado-momento passava sempre rápido - eu comia apressada e ansiosamente, sem dar a cada um dos pedacinhos de qualquer coisa cheia de açúcar que fosse a sobremesa da vez o devido valor. Acabava sempre com a sensação de que "cabia mais um pouquinho..."
Já que tenho gastrite a mais de um ano, Não sei bem explicar o porquê de as coisas, ultimamente, não serem mais assim. Depois do almoço (durante o qual ainda não tomo nada) e depois de muitos goles de água, me vejo agora muito mais satisfeita do que costumava me sentir. O gosto de doce não se manifesta tão vivamente em minha boca, e, quando mesmo assim saio à procura daquela sobremesa especial, é por escolha, e não pela necessidade que costumava sentir.  

Me espanta o quanto não consigo me sentir desse jeito em relação a você. Não importa quantas sessões de análise, quantas aulas de Yôga e quantas caminhadas eu faça pela cidade me declarando autossuficiente: quando o assunto é você, surge aquele gosto na boca, aquela aflição que precisa ser suprida, e, além de nunca sentir que aproveitei nosso tempo juntos suficientemente, saio sempre querendo muito, muito mais.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O que vem por frente

Em mais um táxi transitando por São Paulo num final de tarde qualquer, enquanto o motorista (Elvis) discursa sobre trânsito e problemas no transporte público, eu passo minha cera-hidratante-para-cutículas em cada unhinha da mão e sorrio. Meus dedos estão cheirosos, o ar-condicionado está ligado (o que, apesar da minha rinite, nesse calor é um alívio) e nós já chegamos na Augusta, rua onde o primeiro dia do curso de férias para o qual me inscrevi me aguarda, só não tão ansiosamente quanto a USP (que terá, coitadinha, de pacientemente esperar até 2013).

"E você veio de Curitiba só para fazer o curso?", perguntavam todos os paulistanos-e-habitantes-de-São-Paulo.
Vim.
Quer dizer, o curso foi um pretexto. Mas, como diria meu pai - que é gaúcho -, foi um baita de um pretexto.
Trabalhar um pouco minha "Escrita Criativa" com uma das colunistas de que eu, que nem sou tão culta assim, mais gosto - Milly Lacombe -, já seria bom demais. Mas esses cursos legais nunca acontecem em Curitiba, e é justamente por isso, além de já ser bom demais, que ele acontece em São Paulo, na Escola São Paulo, onde já estou, fazendo piadinhas e me apresentando aos meus colegas.
(É meu artifício para esconder emoções-extremamente-escondíveis, o que é o caso da vergonha e do nervosismo desse momento: piadinhas, piadinhas e mais piadinhas - a maior parte delas, eu lamento, ruins.)
"Ah... Eu estava entediada em casa, sabe... Quis dar uma passeada", respondo aos paulistanos-e-habitantes-de-São-Paulo. Sem dizer toda a verdade, e ao mesmo tempo sem mentir.
Eu vim pela cidade.

O tédio e a falta de emoção fizeram com que os últimos dias passados em Curitiba antes disso tivessem como preocupação-principal a leitura dos ingredientes de todas as comidas que vêm em saquinhos com rótulos. Cortar completamente a lactose de minha dieta, nem que por 10 dias, não é mole não. Aliás, nem por quatro não é, sendo esse o lamentável número de dias em que realmente consegui a proeza (que tinha como objetivo um estudo relacionado à minha adorada gastrite).

O que eu acabei descobrindo (e isso, obviamente, de maneira alguma se deve aos míseros e esforçados quatro-dias-sem-lactose), é que estava sentindo falta de momentos que, de tanto nervosismo, afetam minha gastrite. Falta de momentos que afetem meu estômago e que façam meu corpo inteiro tremer, de tanta ansiedade.
Enfrentar algo novo - ou, de uma maneira nova, enfrentar o velho - é grandioso, e, ali (com ou sem piadinha), me apresentando para todas aquelas pessoas novas naquele lugar completamente novo, não me importava mais com as gastrites, com as outras ites ou com qualquer consequência disso.
Eu estava ali por vontade própria. Na cidade em que eu queria estar, fazendo o que eu queria fazer e, até então, acompanhada principalmente por Elvis, o taxista, mas prestes a passar também um tempo simplesmente com quem eu queria que me acompanhasse.
E o que pode ser melhor que isso? Melhor que poder escolher tudo isso?
Que se fodam todas as ites, o leite, seus derivados, o tédio, a programação da Globo News e minha vontade de não estar acompanhada. Ali estava eu, escrevendo histórias, ouvindo histórias, e vivendo muitas das que teria depois para contar.

Como em uma das duas únicas vezes em que traí Elvis, o taxista, e um baiano simpático me levou do Morumbi à Vila Olímpia, numa tarde chuvosa. Eu olhava pela janela, pensando na vida, quando percebi que ele estava cantando. Não pude conter o riso, e ele, o sorriso, que vi pelo retrovisor.
"Essa é a música que a gente canta, lá no sertão lá da Bahia, quando faz tempo que não chove."
Eu sorrio de volta. "De onde eu venho, não tem música assim não. Lá tem tanta chuva que a gente devia aproveitar e doar um pouquinho para vocês."
Ele não para de sorrir. "Cara, esses baianos," penso comigo mesma, "são sensacionais."
Conversamos um pouquinho sobre nossas cidades natais, tão diferentes uma da outra, e ele, quando o silêncio ameaça voltar, começa a cantar de novo. E muda constantemente de música, buscando com esforço em seu repertório letras que tenham a ver com chuva.

Estou feliz por ter conhecido tanta gente legal, ouvido tantas histórias boas e visto que uma nova realidade na minha vida é, sim, possível.
Conversei com pessoas experientes e com outras não-tanto-assim, passei um tempo longe dos meus pais e decorei, em contraste à Globo News, toda a programação das 14h às 18h no Discovery Kids, deitada no sofá com meu primo paulistaninho de dois anos, entre uma apertada-naquele-bumbum-gotoso e outra.

E como a vida é boa. E, apesar de estar de volta em Curitiba, como eu vou me esforçar para que ela continue sendo.

Uma das músicas cantadas pelo motorista baiano naquela tarde chuvosa