domingo, 11 de março de 2012

"cero mano"

Começar a praticar Yôga para mim foi ótimo. Melhorou a dor na coluna, melhorou a concentração; melhorou o desempenho nas eventuais corridinhas-para-alcançar-o-ônibus, mas principalmente o desempenho da posição absurda ao qual minha depiladora me sujeita mês após mês naquela maca da tortura.
Ao longo, aliás, de meses de depilação Yôga - evolução física já sendo considerada banal na minha lista de benefícios - comecei a ter momentos únicos de lucidez enquanto praticava. Ali, em uma posição que fazia minhas pernas queimarem e tremerem de tanto esforço, podia fazer as mais interessantes analogias com comportamentos da vida real.
Autossuperação, foco e consciência da própria capacidade eram essenciais para conseguir sobreviver a uma hora de prática, e era em outros momentos, quando estava, então, "realmente vivendo", que conseguia entender melhor o porquê de tanta gente se referir ao Yôga não como uma atividade física, e sim como uma filosofia de vida.

Hoje, quando um pacote do único restaurante chinês que entrega no meu bairro chegou aqui em casa e eu me vi diante do yakissoba vegetariano mais bem-embalado da história de todos os yakissobas, um comportamento estranhamente familiar invadiu meus pensamentos:
Primeiro de tudo, calma. Olhe para o pacote. Não tente rasgar mais do que você já tentou - não dá certo. Vá com calma. 
Depois de algum tempo olhando o pacote:
Pegue uma tesoura. 
Depois de não encontrar a tesoura:
Pegue uma faca. Corte o pacote. Com cuidado.
Depois de cortar o pacote - com cuidado:
Aa... Missão cumprida. 

"De onde, toda essa familiaridade com aqueles pensamentos?" , pensei, com meus botões, enquanto comia meu yakissoba e minha mãe assistia, do meu ladinho, à novela Fina Estampa*.
E, de repente, tudo ficou claro.
Eram quase as mesmas palavras, e a mesma necessidade de calma, de foco.
É claro.
A resolução ficionada das mais variadas equações matemáticas invadiu minha rotina de tal maneira desde duas semanas atrás, que já tinha, assim como o Yôga, se tornado para mim uma filosofia de vida. A calma, a análise e toda aquela racionalidade nunca me foram característicos. Principalmente na hora de abrir um pacote de comida. (A ferocidade é semelhante a quando a gente é criança e recebe um presente finamente embalado. Espera um pouquinho que eu vou tirar esse durex pra não rasgar, tia. Aham, Cláudia, senta lá.)
Mas ali estava eu, analisando calma e atentamente um pacote de comida chinesa, como se fosse um raciocínio muito complicado.
É, álgebra. Até que nossa relação vai mais íntima do que me parecia.

O mais incrível é que o cursinho traz junto de si também outras filosofias de vida, fora a das equações, a do cansaço, da autopiedade e da carência emocional.
Depois que a novela acabou, minha mãe subiu para dormir e eu, assistindo ao Jornal das 10 na Globo News tomando um chazinho, pude observar que algumas dessas filosofias - que reconheço, aliás, do ano passado - já estão dominando meus pensamentos e minha maneira de ver as coisas, com apenas 2 semanas de aulas.
A mais incrível dentre essas tendências "pensamentais", para mim, e também a mais explícita e presente, é a biologia.
Estudar essa matéria abre minha mente mais do que estudar história, sociologia, ou filosofia sozinhas jamais conseguiu abrir.
Estudar biologia e, principalmente, ter consciência do quão abrangente é o termo "ser vivo" me faz ver o mundo de forma diferente. Estudar os tipos de reprodução, estímulos externos e maneiras que a natureza encontrou de facilitar a perpetuação das espécies me faz ver a única - "única" - coisa que temos - bactérias, cogumelos, amebas, esponjas do mar, minhocas (que são hermafroditas), árvores, musgos, bolores, vacas, porcos, galinhas e seres humanos - em comum: sobreviver e gerar descendentes.

É claro que o ser humano é diferente, muito diferente, e que nos vemos, diariamente, diante de muitas outras metas.
(A minha, por exemplo, é tão mais complexa que me obriga estudar aproximadamente 12 horas por dia, trancafiada em uma sala mal-arejada enquanto lá fora faz um sol de matar.)
Sentada no sofá, meu prato de yakissoba já vazio em cima da mesinha de centro, enquanto notícias e mais notícias me eram apresentadas pela televisão, não pude deixar de me perguntar: por que, de fato, nós somos diferentes?
Nós pensamos, sim. Somos, em muitos aspectos, considerados os seres mais evoluídos; sim.
Mas e daí?
Será que em nossa complexidade de metas e pensamentos, somos realmente melhores? Será que tudo isso é necessário? Como será que é, viver igual a uma araucária, altíssima e praticamente estática, alimentando a si mesmo com a ajuda da luz do sol e do gás carbônico? Ou como porcos, correndo, fedidos e gordos, de um lado para o outro por aí sem dar bola para nada?

O ser humano é tão engraçado. Se emociona com um jogo de futebol. Toca música. Criou coisas que eu não entendo, como binômios de Newton ou a bolsa de valores. Se arrepia não só por estímulos físicos, mas também quando vê uma coisa absurdamente legal. Tem vergonha de muitas coisas das quais não deveria ter. Se orgulha de coisas imbecis das quais deveria se envergonhar.

Quanto mais eu observo e leio sobre gente, mas percebo: a gente é muito engraçado. A gente é muito estranho. E a gente pode, e isso me intriga pra caramba, ser muito cruel.
Mas, ao mesmo tempo, cara, como a gente é incrível.
No meio de todas as distrações e metas criadas além da única real meta que todos os seres vivos de fato têm, criamos coisas tão incríveis.
Descobrimos tanta coisa. Temos nossa consciência e a capacidade de fazer tanto, tanto, tanto.
Estudar para o vestibular, além de ser o único caminho que atinge a principal meta da minha vida (sem a qual, aliás, sobreviver e gerar descendentes não teria assim tanta graça), é o momento em que consigo para e pensar nessas coisas.
Alguém um dia criou religiões e seitas, matou e continua matando muita gente por poder, roubou e continua roubando sem qualquer ressentimento. Alguém um dia sentou e deduziu a fórmula de Bháskara, descobriu a radioatividade, teorizou a psicanálise, inventou a imprensa, a calça jeans.
Pensando em todas essas coisas, eu fico sem palavras.
Todas essas coisas inacreditáveis que acontecem ao redor do mundo só me fazem querer estudar e aprender cada vez mais, entender melhor tudo o que acontece.

O vídeo "Kony 2012", fenômeno da internet criticado por muitos por sua ingenuidade, pelo menos conscientiza uma galera do que esse cara já fez de atrocidades por aí (e o pior... em nome da bíblia e do "senhor"). Também sou um tanto quanto ingênua, e, num primeiro momento, esse vídeo me fisgou. Tenho lido bastante a respeito e tentado entender o que realmente se passa por dentro da ONG Invisible Children, tenho mudado muitas vezes o meu ponto de vista a respeito. Mas continuo admirando o vídeo, e por um só motivo. Ele me faz pensar na principal filosofia de vida que escolhi para mim: a do jornalismo, que mostra, conscientiza os outros do que está acontecendo, acontecendo com as pessoas, com todos os seres vivos, com toda a Terra, tudo.

Aqui em casa, onde só chegam entregas de um restaurante chinês, muitas vezes me sinto impedida de fazer qualquer coisa, por não ter carro, o ônibus só passar de meia em meia hora e eu não ter uma voz imponente na sociedade ou na minha própria família.
Mas eu tenho meus professores. Eu tenho o jornal. Eu tenho os livros e as apostilas. Eu tenho, aqui em casa, o meu computador. Esse bombardeamento de informações, ao invés de deixar a gente desnorteado, aumenta nossa consciência e foco. Ouvir, ler, aprender. Passar para frente. É isso que eu quero da minha vida.
Simplesmente.
E parece incrível o quanto isso requer esforço.
Segunda-feira lá estou eu, na escola. Das 7 às 7. As costas doídas. Lápis, marca-texto, memorex e post-its na mão.

Estou pronta.
Pode vir.

* Pérola do Crô na novela de ontem: "Eu conheço ela tão bem quanto a discografia da Madonna"
Ha. Hahahahahhahaha.

domingo, 4 de março de 2012

Reflexões dominicais de uma mente cansada

Em Curitiba, em um dia quente de verão como ontem, chega a ser difícil acreditar no quanto é difícil estacionar o carro em qualquer um dos shoppings da cidade.
Mas é.
E o mais difícil nem é isso. O mais difícil, na verdade, acreditar no quanto as pessoas que estão ali, na tentativa de achar uma vaga, se mostram irritadas e mal-educadas; buzinando, xingando, berrando e fazendo gestos obscenos para qualquer pessoa que incomodar mais ainda a tarde terrível que eles estão tendo, ai, procurando um lugar para estacionar no shopping.
Não sei sobre a vida dessas pessoas, muito menos o que elas costumam fazer no shopping em um sábado à tarde. O que sei é que muita gente tem algum, qualquer que seja, costume fim-de-semanal lá, porque essa situação de stress-no-estacionamento se repete e se repete e se repete por tantas vezes que não consigo contar.
Nesse fim-de-semana, porém, rindo com as barbeiragens e dificuldades da minha recém-motorizada amiga Camila e auxiliando na hora de estacionar (na vaga que, surpreendentemente, encontramos rapidinho no Shopping Barigüi), ao me deparar com os berros de um motorista frustrado, acabei também me frustrando um pouquinho, contra ele, ao lembrar e automaticamente comparar aquele momento com o meu dia anterior.

Vestibulando é foda. Se acha a pessoa mais injustiçada do mundo. E com certeza, com não um pouco, mas com muita razão. Não vou ficar aqui discursando sobre os problemas educacionais do país nem nada - até porque estou longíssimo de ser uma autoridade no assunto - mas o sistema utilizado aqui para ingressar em universidades é a tortura decorebística mais ridícula da qual já ouvi falar. E eu, apesar de adorar o aspecto de ter o estudo como uma constante não só na minha, como também na rotina da maioria das pessoas que estudam comigo (até na daqueles caras bem bonitinhos que até ontem não sabiam o que é notação científica); entro nessa onda de sou-uma-vestibulanda-injustiçada sem nem perceber.
Passo a semana estudando um monte, e gosto. Presto atenção em todas as aulas, e, nossa, como eu gosto. Meus professores são muito inteligentes, e no final de toda manhã meus dedos acabam doídos, de tantas anotações que fiz, em qualquer cantinho em branco que encontrar na apostila. Mas, quando chega o fim de semana, a aula às 7 da manhã no sábado, os pais que não compreendem o meu cansaço, os almoços em que eles insistem em comer em churrascarias (mesmo já estando muito cientes de que não vou mudar de ideia sobre meu vegetarianismo); me sinto, sim, injustiçada. E, sim, é ridículo, mas estou só sendo plenamente honesta aqui. Só.
Ontem, diante daquele motorista irritadinho, além de pensar no quanto eu estaria felicíssima se tivesse um carro, lembrei, como já disse, do dia anterior.
Sexta, fim da primeira semana de aulas, e, à tarde, na sala de estudos da escola, estava totalmente mergulhada na matemática C. Terminei mais uma página de exercícios, e, ao ver que tinha acertado todos, fiz uma discreta comemoração e resolvi levantar um pouquinhos os olhos, alongar o pescoço, beber uma aguinha, coisa e tal.
E foi então que vi: estava rodeada de gente. De muita gente.
Todo mundo ali, cada um mergulhado na própria apostila, nos próprios pensamentos e raciocínios, nos próprios sonhos que querem realizar. Minha amiga estava do meu lado, e fez uma careta tão ridícula que tive que rir. E tinha tanta gente rindo ali, discretamente, para não atrapalhar os outros, mas rindo. Às 17h30 de uma tarde de estudos praticamente sem pausa, enquanto lá fora o Sol estava de rachar.
E a gente ali. E a gente rindo. E a gente feliz. Cansado pra caramba, , mas feliz.
Tão diferente daquele motoristinha estressado do shopping.
Tão diferente.
A gente sabe o que quer. A gente está ali não só porque pode, como se permite lutar pelo que quer. Apesar dos momentos de fraqueza e autopiedade, temos todos consciência de que a escolha foi nossa. Nós queremos algo não tão fácil. Queremos enfrentar uma tortura decorebística.
E estamos ali, dia após dia, um do lado do outro, mergulhando cada um na sua apostila, mas mergulhando juntos.
E felizes.

Enquanto aquele motoristinha, aquele pentelho, é um perdido. Indo fazer compras no shopping e berrando com os outros. Ui.