sexta-feira, 23 de setembro de 2011

essa metamorfose ambulante

Me lembro com lucidez daquela noite, em 2008. Não pelos acontecimentos em si, que não foram, aliás, muitos; mas pelas conclusões na qual parte deles me fez chegar.
Era um calorosíssimo mês de outubro, e eu e mais uma significativa quantidade de jovens-com-acne estávamos sentados lado a lado no meio do mato. Nosso acampamento escolar estava chegando ao fim, e os organizadores, procurando uma sorte de "fechamento", tinham planejado uma noite especial para que compartilhássemos histórias em volta de uma fogueira. (Sem marshmallows. Aí seria plágio genuíno daqueles filmes americanos dos anos 90 que costumam passar na sessão da tarde.)
O fechamento, no entanto, não estava sendo muito confortável para mim. Além da dureza do tronco de árvore que nos servia de banco, o calor vindo daquela fogueira era gritante, chegando a machucar meus olhos e a fazê-los lacrimejar. Passei algum tempo mentalmente me lamentando a respeito disso, mas, depois de me distrair por algum tempo com histórias das quais agora não me lembro e com o exagero de choros alheios, percebi o quanto estava bem. O quanto meus olhos estavam bem. As lágrimas tinham secado, e o calor que antes me parecia absurdo me parecia, de repente, normal. Gostoso.
Fiquei abismada.
De repente me esqueci completamente que as garotas que me rodeavam, que forçavam a barra e choravam demasiadamente diante de histórias insignificantes e de palavras clichês, me indignavam, e passei o resto da noite contemplando minha pequena epifania: nós, seres humanos, podemos nos adaptar a qualquer coisa.
Tudo, naquele momento, parecia ter se esclarecido para mim. Como quando, naquela tarde mesmo, tinha contemplado meus pêlos arrepiados através da água gelada da piscina minutos antes de estar nadando tranquilamente e sem frio pelas mesmas águas, percebi o quanto era incrível essa nossa capacidade de se acostumar.
Apesar dos draminhas irritantes daquelas tais garotas, que me lembram hoje da teoria que eu tinha sobre as pessoas e sobre as intenções idiotas que elas têm quando fazem as coisas (que provavelmente diz mais sobre quem eu sou era do que qualquer outra coisa); é disso que me lembro mais quando penso naquela noite: da minha pequena grande epifania.

Três anos depois, um adorável problema hormonal faz da acne ainda presente em minha vida em minhas bochechas, mas a maioria das coisas mudou bastante. Algumas delas, além do caso infeliz da acne, permaneceram iguais, como meu gosto por observar e pensar nas coisas da vida.
Às vezes a sociedade me parece uma prisão; outras, me é claro até demais o quanto o homem é livre. Agora, o que mais faz sentido para mim, lembrando daquela fogueira, é o quanto nossa vida, apesar do que possa permanecer constante, é uma eterna mudança, onde procuramos sempre encontrar pessoas, ideias e objetivos que nos inspirem e pelos quais sentimos valer a pena fazer um esforço e se adaptar.


(Algumas ideias atuais pelas quais julgo tentativas de adaptação extremamente válidas:










A escolha entre fazer um esforço por essas ideias ou não e a de eleger pessoas e objetivos inspiradores de adaptações; esses ficam por sua conta.
Eu não obrigaria ninguém a nada nem que quisesse.)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

HUMANOS

"Os humanos são os únicos animais que têm filhos de propósito, mantêm contato (ou não mantêm), se preocupam com aniversários, perdem tempo, escovam os dentes, sentem-se nostálgicos, esfregam manchas, têm religiões, partidos políticos e leis, usam coisas de valor afetivo, pedem desculpas anos depois de uma ofensa, sussurram, têm medo de si mesmos, interpretam sonhos, escondem sua genitália, se barbeiam e depilam, enterram cápsulas temporais e optam por não comer alguma coisa por questões de consciência. As justificativas para comer animais e para não os comer são, com frequência, idênticas: nós não somos eles."

Jonathan Safran Foer, "Comer Animais"

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

plantae


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

reflexões em banheiros alheios

Escovar os dentes faz parte daquele grupo de atividades banais que acabamos, eventualmente, fazendo "no automático". Eu procuro, mesmo assim, nunca permitir que isso aconteça.
Odeio não prestar atenção no que estou fazendo, seja lá o que for, e no meu ponto de vista, escovar os dentes devagarzinho, cuidadosamente e tendo certeza que você limpou todos os cantinhos possíveis é essencial. Hoje, no entanto, às 4 da tarde em frente ao espelho de um banheiro que não era o meu, não estava exatamente conseguindo me focar.
Observando meus cílios e meu rímel borrado no espelho, eu tinha é me perdido por um momento, pensando aleatoriamente sobre como, sob o ponto de vista biológico, o homem é um animal engraçado que criou um artifício para alongar e realçar alguns de seus pelos ao mesmo tempo em que se viu bem satisfeito com a descoberta de tecnologias para acabar definitivamente com outros.
A força aplicada na minha escova de dentes, em um dado momento, acabou se desviando para onde não devia, e quando machuquei minha gengiva percebi que minha reflexão sobre a humanidade, seus diferentes tipos de pelos e a maneira com que cada um deles é visto não era apropriada para o momento.
De volta à minha boca, escovando aqui, ali do lado, lá atrás e procurando ignorar o fato da minha gengiva estar doendo, acabei, e eu não entendo como, me perdendo de novo.
A humanidade voltou à tona a meus pensamentos, mas, dessa vez, pelos não estavam envolvidos. Num momento meio rebelde-sem-causa, me vi meio revoltada com todo mundo, pensando naqueles paradigmas ridículos que impedem muitas vezes que façamos o que realmente queremos.
Terminei de escovar os dentes, peguei minha bolsa e chamei o elevador. Andando na rua num dia de sol, com fones nos ouvidos, minha mente relaxou. Andei até minha escola de Yôga, de onde saí, depois de duas horas de prática, mais leve e mais esclarecida das ideias.

Tanto leis quanto regras explícitas e implícitas estão presentes em nossas vidas, nos impondo o tempo inteiro uma realidade que não necessariamente deveria ser real. Às vezes, como enquanto escovava meus dentes hoje à tarde, paro e me pergunto até que ponto vai de fato a nossa tão-aclamada liberdade. Me cansa perceber quanta gente por aí anda fazendo coisas certas porque "tem que fazer", não fazendo o que quer porque "não pode".
Pensei no quanto tanto minha vida como as das pessoas que convivem comigo seria melhor se nada disso existisse; se pudéssemos, em vez de seguir regras como um bando de burros, usar nosso bom-senso e inteligência para fazer nossas decisões.
Não defendo de maneira alguma a anarquia.
Mas o que está acontecendo com as pessoas? Quando é que tudo ficou assim tão preto-e-branco?
Tudo isso me faz pensar em tanta coisa.
Soluções para aquelas relações problemáticas entre pessoas, para brigas familiares, para atitudes que "não conseguem ser mudadas", momentos nervosos desnecessários e para essa história de descriminalização da maconha pareceram de repente brotar em minha cabeça.
Eu posso salvar o mundo.

E é então que eu percebo, lembrando da quantidade absurda de açúcar que comi ontem à tarde procurando consolar um momento de pura auto-piedade: quem sabe o máximo que eu posso fazer é salvar a mim mesma.